A Fordlândia
Em 1928, Henry Ford, involuntariamente, tornou-se o precursor dos projetos megalomaníacos de ocupação da Amazônia. A ideia do gênio da indústria automobilística soa hoje como uma verdadeira extravagância. Consistia na construção de uma fábrica de borracha natural no interior do Pará para fugir do monopólio do produto imposto pelos ingleses naqueles tempos.
Para viabilizar o plano, o empresário despachou de Detroit dois navios que aportaram às margens do rio Tapajós carregando os materiais para erguer não só a indústria mas também uma cidade inteira, com vilas ao estilo americano, escolas e hospital. A força de trabalho misturava executivos americanos, caboclos e aventureiros vindos de todas as partes do país e do mundo. "Todos são admitidos nas fábricas, exceto os dementes e os loucos", registrou na época o jornal O País, do Rio de Janeiro.
A Fordlândia localizava-se no município de Itaituba, perto da cidade de Santarém (noroeste do Pará); o vilarejo acabou se revelando um fiasco completo. Um fungo praticamente dizimou a plantação de 1,5 milhão de seringueiras e o choque cultural entre os americanos e o povo local transformou num inferno a rotina de trabalho. Num dos episódios mais tensos, que ficou depois conhecido como "A revolta das panelas", os caboclos depredaram o refeitório, pois sua dieta de peixe e farinha havia sido substituída por espinafre e outros produtos estranhos à sua cultura culinária. Em razão de tantos problemas, a direção da fábrica resolveu deslocar as atividades para Belterra, cidade mais próxima do rio Tapajós. A iniciativa também fracassou. Em 1945, derrotado, Ford fechou as portas de sua filial amazônica, levando consigo um prejuízo de mais de 100 milhões de dólares, em valores atualizados. O empresário vendeu as terras para o governo brasileiro por 250 mil dólares.
Por Sérgio Ruiz Luz (jornalista)Aqui vê-se a Vila Americana, destinada aos estrangeiros e diretores da Ford que trabalhavam no vilarejo; também são vistos a enorme caixa d'água que abastecia todo o distrito, dois galpões industriais, postes de energia elétrica e carros circulando pelas ruas de terra batida


A Fordlândia possuía cerca de 1,5 milhões de hectares; o vilarejo, atualmente, pertence ao município de Aveiro, no oeste do Pará; em primeiro plano, a caixa d'água, que tinha 45 metros de altura e capacidade de 600 mil litros


O vilarejo era dotado de toda a infraestrutura das cidades americanas - possuía hidrantes a cada dois quarteirões, campo de golfe, cinema, barbearia, hospital, mercearia, refeitório, igreja, praça, padaria

Quanto à moradia, existiam três padrões: o da vila americana para os administradores (visto nesta réplica), o da vila mensalista para os operários mais graduados e o da vila operária para os operários de campo. Todas as casas eram de madeira e de excelente qualidade; a maioria possuía janela com tela que impedia a entrada de mosquitos

Miniaturas de dois galpões onde era estocada a borracha que era exportada para Michigan, a fim de suprir o estoque da fábrica central; nas ruas de terra da Fordlândia circulavam Fords Modelo T, A e esta réplica de 2 cm do Ford Coupe 1934; réplicas dos prédios da serraria (e) e usina de força (d)

Ford era visto pela elite industrial brasileira como o "Moisés do século XX", como se referiu a ele um importante industrial paulistano. Monteiro Lobato, que traduzira a sua biografia para o português, via nele o "Jesus Cristo da indústria", cuja vida era "o evangelho messiânico do futuro". Não se pode negar o mérito do homem que, ao saber que um seringueiro ganhava 50 centavos de dólar por dia de trabalho, disse que "era preciso pagar no mínimo US$ 5, pois os brasileiros não devem trabalhar como escravos". A imprensa amazonense, na época, ao saber do interesse de Ford em construir o vilarejo, encheu-se de entusiasmo


Ford ainda tentou realocar as plantações na cidade de Belterra, mais ao norte do Pará, onde as condições para a seringueira eram melhores. Mas, a partir de 1945 (quando as terras da Fordlândia foram vendidas ao governo brasileiro), novas tecnologias permitiam fabricar pneus por meio de derivados de petróleo, o que tornou o empreendimento um total desastre, causando prejuízos de mais de 20 milhões de dólares

Livro escrito pelo professor de História da Universidade de Nova York (EUA) Gregg Grandin relata a construção e o declínio de Fordlândia, nos anos 20; há, ainda, fatos muito interessantes, como o início do fordismo, da construção da fábrica de Highland Park, em Michigan, das ideias de fundação de um cartel americano da borracha como meio de combater o monopólio do produto estabelecido pelos países do sudeste asiático; a obra concorreu, em 2010, ao Prêmio Pulitzer, na categoria de obras históricas, nos Estados Unidos


Veja algumas fotos históricas da Fordlândia (retiradas de reportagens na internet sobre o vilarejo; fotógrafo Daniel Carneiro, da Revista "Exame")
Um dos galpões industriais da Fordlândia


O hidrante, típico de cidade americana, era visto por todas as ruas do vilarejo


Uma carteira de trabalho e placas de identificação dos funcionários da cidade da Companhia Ford Industrial do Brasil


Por volta de 1928, a seleção dos candidatos a trabalhar nos seringais do vilarejo

O tempo é cruel com o que sobrou das máquinas dos anos 20 nos galpões


Um dos relógios que marcavam o começo e o fim da jornada de trabalho dos habitantes da Fordlândia, submetidos a um rígido controle laboral


A Vila Americana, reservada aos estrangeiros, era o bairro nobre da Fordlândia


Mapa de localização da Fordlândia. O trecho destacado no mapa refere-se a uma viagem feita por um funcionário da Ford, em agosto de 2003 (ano do centenário da companhia), a bordo de um Ford Ecosport que percorreu 3.500 km de Camaçari (BA) ao vilarejo no Pará

Informações Retiradas do site: www.miniford.com.br
Lenne Sousa